André Castro, o Tuno

Apesar de não ter estatuto de "revisor-chefe" nesta newsletter, confesso ter-me dado ao luxo de renunciar ao meu "profissionalismo biojornalistico" deixando que esta entrevista não tivesse contornos muito institucionais. A justificação é fácil, encarregaram-me de entrevistar um ex-aluno desta casa que influenciou em muito (mesmo que inconscientemente), a minha passagem na Universidade de Aveiro. André Castro, "Nene" para os amigos, é um "portuense de gema" que sem perder o gosto por um bom Cimbalino e a afeição pelo Futebol Clube do Porto, saiu de Aveiro com o paladar dos ovos-moles marcado na sua memória e o hino do Beira-Mar gravado numa colectânea que juntamente com as suas canções de tuno será para sempre a banda sonora da sua vida. Para quem não teve ou não tem o prazer de o conhecer, esta entrevista revelará decerto aquilo que acabei dizer e mais... Poderão constatar que a Biologia está bem e recomenda-se. Descobrirão que Aveiro e o Departamento de Biologia fizeram de André Castro um embaixador desta ciência no assustador mundo profissional. No fim, tenho a certeza que aqueles que ainda estão a estudar, conseguirão imaginar-se a desempenhar, com igual distinção, o mesmo cargo... 

                                                                                                                                            (o entrevistador e vosso servo, Filipe Lascasas)


1 - Gostos Musicais?

No mínimo eclécticos. Variam com o estado de espírito, os humores, a altura do dia, o tempo, eu sei lá! Do Jazz ao Rock'n'Roll, consome-se de tudo!

 

2 - Nomeia 3 filmes e um livro de eleição

Como filmes destaco "Trainspotting". Relata a vivência de um grupo de toxicodependentes de uma forma crua e mordaz, com um rótulo tipicamente "Scottish"! Por acaso o livro é até mais "crú". E acaba de uma maneira ligeiramente diferente. Não aconselhável a estômagos fracos...
"A Vida é Bela": Para quem viu, julgo que não há palavras para descrever a intensidade das emoções sentidas, vividas e descritas no filme. Uma grande lição de Humanidade e de Amor.
Os três filmes "Indiana Jones", bem como todos os outros filmes do género que vieram a seguir... Salientam o nosso lado "teenager inconsciente", onde só a aventura é importante! E viva o "Senhor dos Anéis"!!!!!
Em relação aos livros devo confessar que sendo um leitor compulsivo, se torna muito difícil escolher apenas um. Prefiro referir autores, deixando a escolha ou julgamento ao vosso critério. Ainda assim, ficam vários por referir!
Tom Sharpe: É um escritor inglês que critica e descreve vários modelos e tempos da sociedade britânica (desde as ilhas até às colónias) de uma forma demolidora. Rir-se de si próprios como só os Britânicos sabem fazer.
Acho Eça de Queiroz em "Os Maias" e "A Capital" simplesmente o máximo!
Em Miguel Esteves Cardoso destaco a sua capacidade ímpar de apanhar todos os tiques do "Portuga". Vale a leitura.
Chris Patten: Antigo Governador de Hong-Kong e actual Comissário para as Relações Externas da UE (julgo ser esta a designação do cargo), tem uma visão fenomenal da actualidade política internacional. Muito há a aprender com ele! (nunca vi os seus livros em português, o que poderá ser uma vantagem!) (Risos)

 

3 - Alguma "Máxima de Vida" predilecta?

Esta tu conheces bem...

"Prefiro arrepender-me das coisas que fiz do que das que não fiz... e poderia ter feito!"

 

4 - Fala-nos de alguém que consideres a personagem do século que findou, ou então alguém que seja para ti uma referência...

O Pinto da Costa... (Gargalhadas). Falando a sério, acho que a maior referência são os meus pais. Fazer tudo para merecer o orgulho que eu sinto que eles têm por mim...

Queres justificar a razão da tua escolha?

É a minha forma de dizer "Obrigado por TUDO!".

 

5 - Em que ano entraste na Universidade de Aveiro?

Resultados afixados em 5/10/93 (Naquelas pautas da Faculdade de Economia do Porto, que bem conheces!)
Inscrição feita em 11/10/93 (edifício da Reitoria da UA - Anfiteatro III)
Aulas iniciadas em 18/10/93 (Anfiteatro 23)
(Suspiro risonho) É impressionante como há certos momentos que não nos saem da memória...

 

6 - Já agora aproveito para perguntar em que ano terminaste o Curso...

14 de Julho de 98, mas ainda fui subir duas cadeiras em Setembro

 

7 - Consegues fazer um breve resumo do teu percurso desde então até agora?

Bem, após terminar o Curso, fui para Macau, em Setembro de 1998. Estive a trabalhar lá como professor contratado para a Direcção dos Serviços de Educação e Juventude do Governo de Macau até Agosto de 1999. Estive colocado numa Escola Primária Luso-Chinesa (do 1º ao 6º ano), tendo leccionado as cadeiras de Matemática e Educação Musical. Regressei, com o estigma de emigrante, em Agosto de 1999.
Em Outubro de 1999 iniciei um "Estágio Voluntário de aquisição de conhecimentos" (nome pomposo, não achas?) no Serviço de Toxicologia Forense do Instituto de Medicina Legal do Porto (algo a que nós, Biólogos, já estamos habituados). Entretanto, abriu um Concurso de Ingresso para Especialista Superior de Medicina Legal, concorri e entrei! Realizei mais um ano de Estágio para integração na carreira, fui aprovado e tomei posse definitiva a 30 de Abril. Passei, assim, a ser um verdadeiro FUNCIONÁRIO PÚBLICO!

Descreve-nos o teu trabalho

No Serviço de Toxicologia Forense realizamos análises a produtos biológicos (sangue, urina, tecidos e órgãos, etc...) para determinação, confirmação e doseamento de substâncias tóxicas, tendo como objectivo a aplicação de métodos e conhecimentos científicos para a resolução de questões ligadas à Justiça.
Especificando, fazemos determinações de alcoolemia, contraprovas no âmbito do Código da Estrada, avaliações de toxicodependência, determinação de intoxicações medicamentosas, entre outras. Para além disso, fazemos alguma investigação (muito pouca, pois as solicitações são muitas, e não temos, neste momento, uma capacidade de resposta tal que nos permita enveredar por outras áreas). Neste momento, para além das análises de rotina, fazemos estudos para aplicação de novas metodologias de preparação de amostras e metodologias analíticas.

 

8 - Até que ponto o mercado de trabalho mudou a perspectiva que tinhas ou tens do Curso?

Essa é uma pergunta manhosa... O nosso mercado de trabalho continua a ser bastante limitado, mas julgo que já se notam algumas melhorias. A nossa versatilidade é, sem dúvida, o nosso grande trunfo. Continuo a achar que os Biólogos são uma classe subaproveitada no seio da ciência. As poucas oportunidades que vão aparecendo nascem mais depressa da iniciativa individual do que propriamente do interesse inicial de uma entidade empregadora. Mas deixo o resto da resposta para um comentário final, caso mo deixes fazer!

 

9 - Tiravas o mesmo Curso?

Essas perguntas são sempre complexas. Se eu disser que sim, acham que estou a ser politicamente correcto. Se disser que não, chamam-me frustrado... E eu não sou nem uma coisa nem outra! Para ser sincero, nunca pensei seriamente nisso...

 

10 - Em que aspectos achas que o Curso de Biologia, com o programa curricular que frequentaste, te foi útil?

O Programa Curricular que frequentei trouxe, acima de tudo, uma vantagem. Com uma abrangência de matérias tão grande e tão diversificada nós acabamos por ter um pouco de preparação e de conhecimento para "tudo". Eu penso que qualquer um de nós, Biólogos em geral, e licenciados pela UA em particular, acaba por ter um "background" científico relativamente "homogéneo" que permite participar em desafios ligados a diferentes áreas. Isso aconteceu no meu caso pessoal, já que estou a trabalhar numa área que, até há bem pouco tempo atrás, era constituída única e exclusivamente por Licenciados em Farmácia. E foi necessário um esforço de adaptação inicial elevado para conseguir provar a validade e a utilidade de um Biólogo na equipa onde estou inserido!
No entanto, na conjuntura actual, tal situação pode vir a tornar-se (infelizmente) uma desvantagem! As entidades empregadoras procuram gastar o menor tempo inicial possível na formação do "novo" Recurso Humano. Procuram sempre alguém que já possua uma certa preparação na área em causa (e quando uma entidade empregadora procura alguém, já sabe especificamente o que precisa). Isso leva a que possamos ser "ultrapassados" por indivíduos com cursos muito mais específicos (Bioquímica, Eng.ª Alimentar, Eng.ª Ambiente, etc...). Por isso temos de fazer um investimento "suplementar" na nossa formação para conseguir concorrer em pé de igualdade!

 

11 - Lembras-te da melhor nota que tiveste? Mereceste-a?

Inglês (Anual 1º ano) - 17 Valores (a professora era nova e extremamente simpática...) (Risos e piscar de olho)

Seminário I - 17 Valores
Seminário II - 17 Valores

Merecidas?... Só as que foram baixas!... (Mais risos)

 

12 - Do que é que sentes mais saudades aqui em Aveiro?

Apesar da evolução como indivíduo que cada um de nós sofre ao longo da vida, há ideias que não deixo de defender. E esta é uma delas: "Entrar na Universidade e Estudar na Universidade não é só arranjar um canudo!". É muito mais do que isso! Envolve as vivências, os conhecimentos, os contactos, as responsabilidades (por incrível que pareça até existem), que constituem um mundo novo de descoberta para quem, como eu, sai de casa para uma outra cidade e para um novo mundo.
As saudades que se sentem são algo de positivo que fica para o resto da vida, com nostalgia, mas sem revivalismos!
Tendo estado ligado à Tuna Universitária de Aveiro, posso dizer que alguns dos melhores momentos foram também lá passados. E, caso tenham o 1º CD do F.I.T.U.A., uma das faixas da Estudantina Universitária de Coimbra cita um poema, que julgo ser do Manuel Alegre:

"De Coimbra fica o sonho, fica a graça
Anseio de Revolta e capa à solta

De Coimbra fica o tempo que não passa
Deste passar do tempo que não volta!"

Seja em Coimbra, seja em Aveiro, ou noutro sítio qualquer, este será sem dúvida o sentimento dominante de quem soube viver a "Vida Académica".

 

13 - Qual a diferença de teres tirado o Curso aqui e não na tua terra natal?

Viver sozinho. Sair debaixo da "saia da mãe" (e largar a "calça do pai"). É essa a grande diferença, que te permite ganhar uma maior maturidade e independência. Essa mudança também te dá uma outra flexibilidade horária (não há horas para comer, não há horas para dormir, etc...), o que permite, como foi o meu caso, dedicar-te a outras actividades extracurriculares (actividades académicas), algo que eu considero fundamental!

 

14 - Idade?

26 anos.

 

15 - Queres enviar alguma mensagem aos alunos, professores e/ou Biólogos em geral?

Ser Biólogo em Portugal não é fácil. Como já disse, a nossa polivalência traz-nos vantagens e desvantagens, nomeadamente na adaptação a novas situações e na concorrência com formações similares. Eu costumo ver a classe dos Biólogos como a "Infantaria" da Ciência, ou seja, nós "damos para tudo". Provavelmente será preciso aproveitar essa nossa capacidade para aumentar os limites da nossa acção como elementos activos no desenvolvimento e na evolução da ciência. Se olharmos para as principais equipas de investigação de muitas das áreas da Ciência, quer a nível nacional quer a nível mundial, está sempre envolvido um Biólogo, de uma forma ou de outra, embora, em alguns dos casos mais mediáticos, estes sejam dirigidos por elementos com outro tipo de formação (Medicina, Bioquímica...) É aqui que reside o "Busilis" da questão. Eu não conheço nenhum Biólogo que tenha tido, por exemplo, um cargo político relevante e mediático, fora os casos técnicos como os ligados ao Ministério do Ambiente, onde, por exemplo, o actual Bastonário já esteve, como Secretário de Estado do Ambiente. O Dr. Luís Filipe Menezes e o Dr. Vieira de Carvalho são médicos e exercem este tipo de funções. Para quando um Biólogo verdadeiramente político? Também é uma questão de prestígio.
O que nos falta, como classe, é um aumento do reconhecimento colectivo e um aumento do reconhecimento da nossa Qualidade. E aqui está uma área em que a criação da Ordem e o seu trabalho poderão ser determinantes!

 

16 - Qual foi a tua cadeira favorita e aquela que menos gostaste?

Favoritas foram várias. Não querendo ser politicamente correcto, acabei por gostar de quase todas. É difícil eleger alguma.
As que menos gostei foram PEDA (Programação e Estruturas de Dados e Algoritmos) e Cormófitos.

 

17 - Quais foram as tuas actividades extra-curriculares durante a estadia em Aveiro?

Bem, para isso é melhor fazer uma lista:
- Membro eleito do corpo dos discentes da Assembleia de Representantes da Universidade de Aveiro entre Dezembro de 1994 e Janeiro de 1996.
- Membro eleito da Comissão de Curso da Licenciatura em Biologia da Universidade de Aveiro entre Novembro de 1995 e Novembro de 1997.
- Membro, por inerência, da Comissão Pedagógica do Departamento de Biologia da Universidade de Aveiro entre Novembro de 1995 e Novembro de 1997.
- Membro, por inerência, representante dos alunos na Assembleia de Representantes do Departamento de Biologia da Universidade de Aveiro entre Novembro de 1995 e Novembro de 1997.
- Membro representante dos alunos da Licenciatura em Biologia, por eleição, no Conselho Pedagógico da Universidade de Aveiro, entre Outubro de 1996 e Novembro de 1997.
- Membro da Tuna Universitária de Aveiro desde Fevereiro de 1994 até Setembro de 1998.
- Membro do Bionúcleo - Núcleo de Biologia da Universidade de Aveiro desde Março de 1994 até Setembro de 1998.
- Vogal da Direcção da Tuna Universitária de Aveiro entre Novembro de 1996 e Novembro de 1997.
- Membro não executivo da Direcção do Bionúcleo - Núcleo de Biologia da Universidade de Aveiro entre Março de 1997 e Março de 1998.
- Membro da Comissão Organizadora do VIII F.I.T.U.A. - Festival Ibérico de Tunas da Universidade de Aveiro, realizado em 17 e 18 de Abril de 1997
- Presidente da Direcção da Tuna Universitária de Aveiro de Novembro de 1997 até Setembro de 1998.
- Membro da Comissão Organizadora do IX F.I.T.U.A. - Festival Ibérico de Tunas da Universidade de Aveiro, realizado em 24 e 25 de Abril de 1998

 

18 - Hobbies actuais?

Algo que não referi na alínea anterior por estar sediado no Porto e eu me ter afastado um pouco durante a minha estadia em Aveiro. Eu sou um adepto fanático do desporto automóvel, faceta minha um pouco desconhecida. Devido a tal, e também a uma influência paterna, faço parte de um clube que organiza diversas provas de automobilismo, de índole diversa, ao longo do ano. Neste momento, muito do meu tempo livre encontra-se ocupado por esta actividade, já que as solicitações são muitas. Sendo um clube amador, orgulhamo-nos de organizar 4 provas de automobilismo por ano e de colaborar em muitas outras. Exerço funções na área da logística, sendo o Responsável pela Segurança das quatro provas. Meios médicos, humanos e materiais, bem como meios ligados à montagem no terreno das provas estão, em parte, debaixo da minha responsabilidade. Devo dizer-te que é algo que muito me entusiasma!

 

19 - Estado Civil?

Solteiro...

 

20 - Já sei que vais querer tecer um comentário final...

O desafio que se nos impõe é o da determinação dos novos limites de intervenção por parte de cada um de nós, como Biólogos e como cidadãos. Somos uma classe em crescimento, quer em termos numéricos, quer em prestígio. O passo seguinte envolve uma maior abertura e interacção com a Comunidade que nos envolve, demonstrando que o nosso saber e a nossa existência são úteis e fundamentais para uma Sociedade moderna.
Torna-se necessária uma maior visibilidade da nossa parte e um "saber mostrar" aquilo que fazemos. O Reconhecimento por parte da Sociedade e da Comunidade que nos rodeia será, sem dúvida, o melhor prémio para o nosso esforço e o nosso trabalho!

 

nota: Gostaríamos de agradecer ao senhor Aldiro pela cedência da fotografia presente nesta página

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