Entrevista com...Maria José
D. Maria José (DMJ) –
Nasci no dia 3 de Dezembro de 1923, no Porto,
na zona de Campanhã. Vim para Aveiro quando era muito pequenina, com quatro ou
cinco anos.
DMJ – Ah, sim! Não trocava Aveiro por terra nenhuma.
Nasci numa “passagem” dos meus pais pelo Porto. Mas fui baptizada já em
Aveiro. É por isso que sou mais de Aveiro.
DMJ – Não tenho filhos. Não sou casada mas vivo
maritalmente há muitos anos.
DMJ – Vou, com muitas saudades, da gente nova e de alguma
mais velha. Principalmente da juventude, gosto muito da juventude. Se fosse
pessoa importante apostava muito na juventude.
DMJ – Sim. Tinha uma lavandaria ...
NL – Há quantos anos é que está aqui na Universidade?
DMJ – Vai fazer 24 anos.
NL – Veio logo trabalhar para o Departamento de Biologia?
DMJ – Trabalhei sempre neste
Departamento, nunca me
tiraram do Departamento de Biologia, graças a Deus!
NL – Os técnicos não eram contratados directamente para o Departamento? Podiam mudar de departamento?
DMJ – Antigamente (agora vou dizer um bocadinho mal) se o
chefe gostava do funcionário, o funcionário ficava. Se o chefe não gostava do
funcionário, o funcionário ia para outro departamento. Hoje em dia não é
assim. Felizmente as coisas mudaram. Agora o departamento para tirar uma funcionária
tem que pedir à administração e tem que haver uma justificação.
NL – Quais são efectivamente as suas funções no Departamento?
DMJ – Basicamente o que faço é lavar o material de
laboratório (das aulas e da investigação) e esterilizar o material (trabalho
com o autoclave). Atenção que eu não sou técnica, sou auxiliar técnica. Fui
auxiliar administrativa durante 20 anos, quando o meu trabalho era de auxiliar técnica.
Fui prejudicada durante esses 20 anos! a minha situação só foi corrigida
quando, há três anos, passei para a categoria de auxiliar técnica. Como
consequência, vou-me reformar vários escalões abaixo do que era devido.
NL – Tem
recordações das primeiras instalações do Departamento?
DMJ – Nessa altura estava tudo junto no “baixinho (nome
dado às instalações iniciais de vários departamentos, também conhecidas
como “galinheiros”): a microbiologia, a fisiologia animal, a fisiologia
vegetal... Também só havia meia dúzia de alunos! Hoje a Universidade deve ser
uma das maiores do país!
NL – A
D. Maria José conheceu alguns dos nossos professores, enquanto alunos?
DMJ – Lembro-me por exemplo do Dr. Luís Souto quando foi
aluno. Lembro-me também da Profª. Marina, do Prof. Calado e dos outros todos.
NL – Lembra-se
na passagem para o actual edifício?
DMJ – Sim. As condições passaram a ser bastante
melhores, passou a haver mais e melhor material, mas também menos trabalho, que
passou a ser mais dividido.
NL – Considera
o Departamento como uma segunda casa?
DMJ – Sem dúvida nenhuma! É a minha segunda casa! Olhe,
na segunda-feira estive doente... estando um dia em casa já não estou bem!
Quero é vir para o trabalho! Podem contar os atestados que meti em vinte e tal
anos. Foi só quando estive doente porque fui operada ao coração, fui operada
à vista, só aí... Atestados por meter nunca meti! Tirei esses porque fui
obrigada.
NL – Queríamos saber como é que é a D. Maria José sem bata... Tem hobbies, gosta de fazer alguma coisa especial?
DMJ – Não, nada de especial. Gosto de ler, embora não
possa dizer que goste de leituras muito sofisticadas... Gosto especialmente de
livros de Ciência.
NL – E de música, gosta?
DMJ – Não toda! Não gosto destas músicas actuais muito
pesadas, que façam muito barulho. Gosto de uma música mais baixinha...
NL – É
daquelas portuguesas que gosta muito de fado?
DMJ – Depende do fado e da pessoa que o canta.
NL – Gosta
do Alfredo Marceneiro?
DMJ – Não, não gostava muito desse género de fados.
NL – Amália
Rodrigues?
DMJ – Assim assim... nunca gostei muito da voz dela.
NL – E
do fado dos estudantes de Coimbra?
DMJ – Isso já gosto! Fui uma vez a Coimbra, posso dizer
que fui quase para o meio deles cantar!
DMJ – Depende muito da pessoa! Antigamente havia alunos
pelos quais não morria de amores, e isso aconteceu ainda há muito pouco tempo,
mas também tenho muitas saudades de alguns. Por exemplo, está aqui o Doutor
Paulo Silveira, que está a trabalhar com a Dr. Rosinha no herbário (ele não
é bem do herbário...), que foi cá aluno com a esposa, e que é uma jóia de
pessoa. Uma jóia de pessoa, como professor, como homem! No fundo não tenho o
que dizer... Eu adoro esta gente toda! A sério, podem acreditar que adoro esta
gente toda.
DMJ –
A
juventude e todos nós! Mas os jovens têm que pensar mais em estudar... Alguns!
Atenção que não são todos! Tenho passado por alguns grupos muito bons de
alunos, que até dá gosto cá estarem. Depois, quando se vão embora deixam
saudades, mas eles têm que se ir embora...
DMJ – Dizem que sim, mas acho que já fui mais! Já tive mais vontade de trabalhar, por exemplo. Depois de ter sido operada, as pessoas começaram a exigir menos de mim! Não queria deixar de agradecer aqui à Doutora Maria Ana, que foi das primeiras pessoas que quando me viu doente me disse para não ir mais à Fisiologia. Marcou-me muito nesse aspecto, porque ainda antes que eu fosse falar com o conselho directivo ou com quem quer que fosse, a Doutora Maria Ana tomou essa iniciativa e nunca mais me pediu nada. Preocupou-se por iniciativa própria. Também a Doutora Conceição, quando adoeci, pediu aos alunos que lavassem o material de laboratório que utilizavam, porque eu não podia estar o dia todo numa banca, ou a abrir e a fechar o autoclave, a pôr coisas pesadas lá dentro... Foi uma das pessoas que também tomou logo uma atitude!
DMJ – Sim! Houve pessoas que reconheceram muito o meu trabalho e quando adoeci também se preocuparam.
DMJ – Vocês vão-me perdoar, mas eu vou ter que dizer que sou contra os protestos... Contra os protestos dos que podem pagar! Embora não ache bem que tenham que pagar todos o mesmo. Que paguem os ricos para que os pobres, quem não pode pagar, possa estudar! Porque há aqui muito menino rico que pode muito bem pagar o que eles estão a pedir!
DMJ – A questão é que uns têm razão e outros não...
DMJ – Sim, sinto-me dividida! É que por exemplo esta coisa de fecharem a universidade de Coimbra... Um dia fecha, outro dia abre! Deveria haver um diálogo entre Reitoria e alunos, e não aquela coisa do fecha-se hoje, fecha-se amanhã! Vejam se na nossa Universidade isso acontece?
DMJ – Já passaram alguns alunos que deviam ter ido embora mais cedo. Se fosse eu que mandasse, tinha-os mandado embora! Como digo, não havia de existir esse tipo de alunos nas universidades. Se o aluno está aqui é para estudar. Se quer andar na borga, também pode andar um bocadinho, mas não deve deixar de estudar! Eu também não quero estar aqui a dizer que os estudantes não possam divertir-se, mas tem que ter consciência do que andam a fazer!
DMJ – Que sejam muito felizes! É isso que lhes desejo. Por agora vou embora, mas pode ser que ainda cá volte!
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