Nesta quarta edição da Newsletter apresentamos uma entrevista efectuada à funcionária mais antiga do Departamento de Biologia

Nome: Maria Hélia da Cruz Ferraz Lopes
Data Nascimento: 4/12/47

- Funcionária mais antiga.
Sou funcionária há 27 anos.

- Percurso até chegar ao Departamento
Estive em Lourenço Marques, onde trabalhei no Departamento de Biologia, na Botânica. Trabalhava com o prof. José Ernesto - que chegou a ser Reitor aqui [em Aveiro]. Estive lá cerca de 4 anos e depois voltei de licença graciosa.

- Licença graciosa, o que é?
Os funcionários do Ultramar tinham direito, em cada quatro anos, à licença graciosa, ou seja, tinham a oportunidade de voltar a Portugal onde podiam permanecer até 6 meses (no entanto apenas com parte do vencimento).
Pagavam-nos as viagens de ida e volta... Quando eu vim, na fase pós 25 de Abril, paguei eu própria a viagem para cá. Entretanto, compulsivamente, tive que ingressar no quadro geral de adidos. Compulsivamente!!! Ou ingressava ou regressava! Não deixaram gozar os 6 meses, já fazia a Frelimo parte do governo. Pela minha vontade voltava, mas...

- Nasceu em Moçambique?
Fui para lá aos 15 anos, estive lá até aos 27. Trabalhei com o prof. Caldeira, o prof.Rino, a profª Cândida Gil era ainda aluna, com o dr. Ângelo, a Drª Helena Moreira trabalhava na parte da Zoologia... Portanto, a Biologia tinha Botânica num Departamento e Zoologia noutro, estavam separados.
No início do Departamento [de Biologia da UA], estava cá também o sr. Sarmento, na secretaria - de iníco trabalhei na secretaria. Sempre quis passar para o laboratório, já que não gostava do trabalho de secretaria! Quando vim para cá ingressei nos adidos, mas depois o prof. José Ernesto mandou-me para o Botânico de Coimbra (escreveu particularmente ao prof. Abílio Fernandes, que já faleceu) - fui para lá fazer um estágio. Logo depois vim para cá trabalhar no laboratório. Aprendi mais foi com o Doutor Rino e com a Doutora Cândida Gil. Eles é que foram os meus mestres aqui.

- Quais são as suas funções no Departamento?
Fazia a parte de apoio às aulas práticas, preparações - fiz uma colecção delas, de citologia, histologia e portanto parte de algas também. Quando estavamos nas antigas instalações trabalhei na microbiologia (eu era a única técnica na altura). Trabalhava naquelas áreas todas! Depois entrou o Rui e começámos a dividir o trabalho. Ele ficou com a parte de Zoologia e eu com a parte de Botânica. Continuei no entanto com a microbiologia - com meios de cultura, repicagens, bactérias... Fiz também análises químicas com a profª Cândida Gil quando ela fez o doutoramento.

- A D. Hélia viu o Departamento nascer...
É verdade, vi mesmo. Éramos mesmo uma família...

- Como foram esses primeiros anos?
Foram muito bons. Éramos muito unidos! Aliás, os poucos Departamentos que existiam estavam todos juntos no edíficio do CET [Centro de estudos e Telecomunicações]. Gostei muito desses primeiros anos. Vivia na residência, com os estudantes - porque ainda era solteira e boa rapariga! Estava no andar das raparigas (havia um andar para rapazes, outro para funcionários - casais - e outro para raparigas). Mas nós lá nos misturávamos, lá fazíamos as nossas...

- Havia um espírito diferente?...
Sim, muito diferente! Não tem nada a ver... entre alunos, que eram poucos, havia muito convívio, mesmo no tempo da Rosinha em que o grupo já era mais numeroso. Ainda hoje existe um elo de ligação bastante forte. Alguns afastaram-se, mas há outros com quem ainda estamos. De vez em quando encontro alunos mais antigos... Nessa altura conhecíamo-nos todos uns aos outros. Agora não, só convivem mais comigo nos seminários, naquele trabalho mais específico.

- Temos hoje professores que a D. Hélia terá conhecido como alunos...
É verdade, muitos. O prof. Calado, Mário Jorge, Salomé, Marina, Ângela, Adelaide (trabalhei com elas em microbiologia,no antigo pavilhão)... Acompanhei todo o percurso inicial!

- Momentos do Departamento que considera como mais marcantes?
Esses primeiros anos, pelo espírito de convívio. Dou o exemplo da amizade que havia com as pessoas de Geociências. Fazíamos sardinhadas, com a doutora Helena Moreira (adora colaborar nessas coisas), fazíamos sempre uma festa pelo São Martinho. Fazíamos o caldo verde numa sala, as castanhas no autoclave ou nas estufas. Fazíamos umas festarolas! Depois da passagem para aqui [instalações definitivas do Departamento], começaram todos a dispersar-se muito... as relações passaram a ser diferentes, o afastamento aumentou...

- Como é que vê a construção da nova extensão do Departamento?
Acho que vai ser bom. Vai trazer mais salas de aulas e uma sala de preparação. É uma evolução natural do departamento. Pelo menos vamos deixar de andar com microscópios para cá e para lá, espero que esteja tudo equipado, para essa luta acabar.

- Como é a "outra" D. Hélia... para além da profissional... Como gosta de ocupar os seus tempos livres?
Gosto muito de ler (tenho é pouco tempo). Primeiro os miudos eram pequenos, ocupavam-me bastante. Pensei que quando crescessem me libertavam mais, mas afinal continuam a ocupar muito!

- Tem algum livro ou autor que considera mais especial?
Gosto muito de ler os livros do médico Michael Palmer! Gosto também de ler o Paulo Coelho e a Isabel Allende. Costumo ler os livros que a minha filha me vai aconselhando. Gosto de a acompanhar nas leituras!
Gostei muito de ler o livro "Pássaros Feridos" [da autora Colleen MacCullough]. Quando o li, podia fazer algumas pausas - por exemplo, ir ao jardim, mas passado algum tempo tinha de voltar outra vez para a minha leitura!

- Qual é a sua relação com a música?
Gosto de ouvir música, mas sou uma ouvinte esporádica. Gosto de ouvir música clássica para relaxar. Não gosto daquelas músicas que o meu filho põe, que eu digo que é barulho (mas ele também gosta de clássica). Gosto muito da música dos anos 60, do Simon & Garfunkel. Gosto também do Pavarotti e do Andrea Bocelli.

- Quem é que elegeria para personaliadde do século?
Teresa de Calcutá, porque acho que foi uma pessoa espectacular, deu-se muito aos outros, gostava muito de ajudar... Aliás, se não tivesse enveredado pelo caminho do matrimónio, de constituir família (que era um sonho antigo), tinha certamente escolhido o caminho de ajudar os outros...

- A sua passagem por Moçambique marcou-a muito...
Sim, marcou-me muito. E pelo que tenho falado à minha filha, estou também a marcá-la. É uma terra que apaixona sem conhecer. Ela escreveu há pouco tempo para a casa do Gaiato... na altura em que lá estive convivi muito com o Padre José Maria e com os gaiatos. Existia um grupo da Juventude Operária Católica, a que apesar de não pertencer, me juntava. Organizávamos grupos e íamos jantar com eles, fazíamos o almoço a contar com eles... Depois ele [o padre] veio para Portugal e fundou uma nova casa onde acolhe famílias, além de crianças. A minha filha escreveu-lhe para ir lá passar um mês e ajudar no que puder.
Conheci lá o meu marido, na tropa!
Quando vivia com os meus pais, estávamos afastados da civilização (primeiro foi o meu pai e só depois o resto da família). Hoje tenho pena de não ter vivido mais aquilo. Tinha aproveitado mais. Não hei-de morrer sem lá voltar... Se não tivesse havido guerra eu não viria embora!