O Professor Edgar Figueiredo da Cruz e Silva é Director e investigador do Centro de Biologia Celular do Departamento de Biologia da Universidade de Aveiro e foi o professor responsável pela antiga cadeira de TLB II.
Autor
de várias dezenas de artigos publicados em revistas do Science Citation
Index com alto factor de impacto, tem sido convidado pela Comissão Europeia
como avaliador de projectos europeus na área das Neurociências e do
Envelhecimento. Foi recipiente do Prémio Nicolau Van Uden em 1996, é
Presidente da Assembleia Geral da Sociedade Portuguesa de Bioquímica; é
“External Partner” do programa de Neurotoxicologia do Center for Disease
Control and Prevention dos EUA, e aparece listado em Who is Who in the
World.
1 - Decorreu no mês de Setembro o Simpósio de Novas Oportunidades Terapêuticas para as Doenças Neurodegenerativas. Podia-nos fazer um balanço dessa actividade?
O
simpósio foi uma oportunidade única para as pessoas que trabalham no Centro
de Biologia Celular interagirem com alguns dos cientistas de maior relevo a
nível mundial nesta área. Foi um encontro relativamente único, mesmo a nível
internacional, porque reuniu pessoas de especialidades diferentes, isto é,
cientistas que trabalham em temas diferentes como Parkinson, Alzheimer, ALS, etc,
desde a investigação fundamental, até à investigação clínica e terapêutica.
Normalmente, estes investigadores, que trabalham em aspectos distintos, não se
encontram nos congressos a que se deslocam. Conseguimos
trazer a Aveiro um conjunto de grandes cientistas de renome internacional para
falarem sobre aquilo que essas coisas distintas têm em comum. No entanto, também
tivemos a preocupação de convidar alguns dos grupos portugueses que têm
trabalho de qualidade nesta área. Assim, além do trabalho que temos
vindo a desenvolver na UA, também tivemos representantes das universidades de
Lisboa, Porto e Coimbra..
2 - Como é que surgiu a oportunidade de ser em Aveiro e não ser nos EUA, uma vez que esta actividade teve a colaboração de um investigador da Harvard Medical School e outro do Whitehead Institute?
Nós trabalhamos nas bases moleculares e celulares duma doença
neurodegenerativa, a doença de Alzheimer, que é a mais prevalente das doenças
neurodegenerativas, tanto em Portugal como no resto do mundo, e com tendência a
aumentar a sua prevalência. Os contactos internacionais têm surgido com alguma
facilidade, porque tanto eu como a Prof.ª Odete da Cruz e Silva, que é responsável
pelo Grupo de Neurociências na UA, tivemos a oportunidade de trabalhar entre
1990 e 1995 no Laboratório de Neurociências Moleculares e Celulares da
Universidade Rockefeller em Nova Iorque com o Prof. Paul Greengard (Prémio
Nobel da Medicina em 2000). Assim, conjugaram-se os nossos interesses de
partilhar as nossas experiências com outros grupos e, também, de tomar
conhecimento daquilo que de mais inovador está a ser desenvolvido nestas áreas
e que possa ser útil aos projectos que queremos implementar e desenvolver na
Universidade de Aveiro. Nesta altura, em que começamos a entender a existência
de mecanismos fundamentais, celulares e moleculares, comuns a diversas doenças
neurodegenerativas, é particularmente importante fazer um esforço para os
compreender e começarmos a pensar em novas e inovadoras medidas terapêuticas.
Se analisarmos esta questão estritamente do ponto de vista da utilização de
recursos que, à partida, são escassos num país como Portugal, pode-se
argumentar que os investimentos na investigação fundamental, ao nível dos
mecanismos moleculares e celulares comuns, poderão, a longo prazo, ter retornos
muito maiores e mais importantes do que cair na tentação de investir
prioritariamente na investigação aplicada. No entanto, neste
momento, e porque não existem, também não se pode prescindir de desenvolver
mecanismos e instituições que apoiem tanto os pacientes como as suas famílias.
É importante perceber-se que as doenças como a doença de Alzheimer, são
“doenças da família”. Muitas vezes, os familiares não afectados (cônjuge,
filhos, etc.) acabam por sofrer mais que os próprios pacientes. Neste âmbito,
todos os estudos estatísticos indicam que os gastos atribuíveis às doenças
neurodegenerativas irão consumir uma percentagem cada vez maior do orçamento
do Serviço Nacional de Saúde. O Estado tem que investir não só na superfície,
mas principalmente nas causas, e, portanto, do meu ponto de vista, creio que
especialmente para um país pobre como o nosso, faz mais sentido investir-se na
investigação fundamental que pode, a prazo, trazer-nos retornos muito maiores.
O facto do simpósio ser em Aveiro foi ainda
particularmente relevante dado a sensibilização para esta problemática ser
bastante mais necessária em Portugal que nos EUA, por exemplo.
3 - O Professor falou de um ponto que foi a abertura ao público. A possibilidade de as pessoas terem acesso a informações que lhes permitam compreender melhor o que se passa com familiares ou, se calhar, com elas próprias. Qual acha que foi a importância deste simpósio no sentido de esclarecer as pessoas sobre este tipo de doenças?
Acho
que foi muito notável o interesse que o Simpósio gerou. Reflectiu-se não só
nos diversos meios de comunicação social que fizeram a cobertura do simpósio (tivemos
em Aveiro todas as estações nacionais de televisão, algumas estações de
cabo, bem como alguns dos principais jornais nacionais diários, estações de rádio
nacionais, e muitos dos jornais e estações de rádio regionais), mas também
no interesse que se gerou junto da população em geral. Nós tivemos dias de
telefonemas sucessivos de familiares de pessoas que sofrem de Alzheimer ou
outras doenças como ALS (Esclerose Amilotrófica Lateral ou Doença de Lou
Gehrig), etc. Alguns manifestando mesmo o desejo de estarem presentes
no Simpósio, não se importando de pagar a inscrição. Claro que tivemos de
explicar que o simpósio não era propriamente dirigido ao público em geral,
mas sim, que era um simpósio técnico dirigido para à população científica.
Devo dizer que ficamos muito sensibilizados por todo o interesse e pelo apoio
que manifestado pelos que nos contactaram. É claro que o Simpósio não foi
pensado para esclarecer as pessoas, do ponto de vista que me está agora a
referir, que é o de transmitir para o grande público algum conhecimento sobre
estas doenças e de responder às perguntas que os pacientes e os seus
familiares normalmente têm. No entanto, as pessoas que nos contactaram eram
geralmente pessoas de certo modo carenciadas dum conselho amigo, ou porque os médicos
com quem normalmente comunicam não lhes dão respostas às suas questões, ou
por outros motivos. Por isso, nós fizemos o esforço de comunicar com todas
elas individualmente, ou por e-mail, ou por telefone ou, nalguns casos,
pessoalmente, convidando-as a nos visitar no departamento. Talvez seja por esta
razão que algumas pessoas manifestaram um agradecimento público através da
comunicação social, não propriamente pelo beneficio que retiraram do Simpósio,
mas sim pela nossa disponibilidade para os ouvir e tentar esclarecer as suas dúvidas.
Foi para nós uma experiência muito gratificante.
4 - Podia-nos contar um pouco sobre o seu percurso antes de chegar à Universidade de Aveiro?
Eu nasci em Lisboa, mas cresci no Ribatejo, numa pequena aldeia a cerca de
30 quilómetros de Lisboa. Aos 12 anos fui viver para Lisboa e frequentei o
Liceu Nacional de Gil Vicente na Graça onde concluí o antigo 7º ano. Depois,
em 1975 fui viver para Londres e foi no Reino Unido que terminei a minha educação.
Primeiro obtive um B. Sc. em Ciências
Biológicas (equivalente à nossa Licenciatura) na Universidade de Essex, que
tinha uma vida académica muito interessante, tendo sido uma das
academias britânicas mais activas em termos dos movimentos estudantis de
contestação que surgiram nas décadas de 60 e 70. Seguiu-se
um Doutoramento em Bioquímica na Universidade de Dundee na Escócia.
Após acabar o Doutoramento permaneci em Dundee durante um curto período como Pós-Doc,
enquanto a minha mulher acabava também o seu Doutoramento. Foi um período também
muito interessante dado a internacionalização do laboratório onde
trabalhamos. Fizemos amigos que ainda hoje mantemos e que estão espalhados por
todo o mundo. O meu filho mais velho nasceu na Escócia e por esse motivo ainda
hoje celebramos a “Burns Night”, uma espécie de Dia Nacional da Escócia,
equivalente ao nosso Dia de Portugal ou de Camões. Robert Burns é considerado
o maior poeta escocês e no dia em questão é costume cozinhar-se o
“haggis” que é um estômago de carneiro recheado de vísceras picadas
misturadas com aveia (?). É um prato algo estranho, muitas pessoas não gostam,
mas é dos pratos mais típicos da Escócia. Basta dizer que também por tradição
só se bebe uísque de malte a essa refeição! Na altura do Doutoramento
trabalhamos com os Professores Sir Phillip e Patricia Cohen, que são dois bioquímicos
bastante famosos do Departamento de Bioquímica da Universidade de Dundee,
actualmente considerado como o melhor Departamento de Bioquímica do Reino
Unido, sendo provavelmente também o melhor da Europa e certamente um dos
melhores do Mundo. Terminado o Doutoramento fomos
trabalhar para o laboratório do Prof. Paul Greengard, na Universidade
Rockefeller em Nova Iorque (EUA), que é uma Universidade muito especial.
Nesta Universidade não existem alunos de Licenciatura, só existem alunos de pós-graduação,
ou seja, o “intake” anual de alunos é cerca de uma dúzia e meia, mas é
das universidades mais prestigiadas no mundo. Há alguns factos interessantes,
por exemplo, creio que há alguns meses atrás a Universidade Rockefeller tinha
ao seu serviço seis “Nobelistas”, isto é, seis professores que tinham
ganho o Prémio Nobel. Na curta história desta Universidade (foi fundada em
1901 como instituto de investigação biomédica, mas só adquiriu o estatuto de
universidade em 1965) mais de 20 dos seus professores já foram distinguidos com
o prémio Nobel. Não existe, mesmo nos EUA, nenhuma universidade com um
historial científico que se compare à Universidade de Rockefeller. Esta
introdução é importante para dizer que uma
universidade de sucesso não tem que ser aquilo que em Portugal se entende como
universidade. Por outro lado, o sucesso duma universidade depende, em larga
medida, do sucesso que tem a sua investigação. Portanto, uma universidade onde
não se invista e criem condições para fazer investigação de ponta, está
condenada, a prazo, a ser uma instituição medíocre. É tão
simples quanto isso. É claro que nem todos os bons investigadores são bons
professores, mas não conheço nenhuma universidade de prestígio que não
privilegie a investigação. Muitas vezes estas instituições competem
activamente para recrutar os melhores investigadores para os seus quadros, esforçando-se
por lhes oferecer as melhores condições laboratoriais e os melhores salários,
etc. No panorama internacional as universidades
portuguesas são perfeitamente desconhecidas e insignificantes. Só quando forem
implementados modelos semelhantes em Portugal, poderemos então esperar um salto
qualitativo no nosso perfil internacional. É fundamental para a saúde das
instituições ter uma aposta forte na investigação.
5 - Não acha que as universidades também se devem pautar pela qualidade de ensino?
Sem dúvida! Mas o que eu digo, e o que eu
constatei ao longo de mais de 20 anos no estrangeiro, é que não há qualidade
de ensino sem uma aposta forte na investigação.
Voltando à sua pergunta e ao meu percurso, nós
fomos para os EUA em 1990, inicialmente como Pós-Doutorados mas, passado pouco
tempo, fomos convidados a ficar como “Principal Investigators”, e lá
permanecemos até regressarmos a Portugal, em 1996. Nessa altura estava a
trabalhar num projecto que tem consumido os meus interesses científicos de
alguns anos para cá e que tem a ver com as fosfatases específicas para serina
e treonina, que são enzimas importantes pois controlam praticamente tudo aquilo
que ocorre nas nossas células. Aliás, o Prémio Nobel atribuído ao Prof.
Greengard, foi precisamente nesta área. Também é importante dizer que o
regresso a Portugal, tanto na minha experiência pessoal, como noutros casos que
conheço, não é um processo fácil. As instituições portuguesas, de um modo
geral, são muito fechadas e têm sempre muito medo de quem vem de fora.
Felizmente, nessa altura, a Universidade de Aveiro tinha como Reitor o
Prof. Júlio Pedrosa, uma pessoa com uma visão muito clara daquilo que queria
para a UA. Eu creio que ele terá sido uma das pessoas na Universidade de Aveiro
que compreendeu que o tipo de Biologia que se fazia no fim do século XX
ultrapassava largamente aquilo que se fazia no Departamento de Biologia da
Universidade de Aveiro. Ele via que era preciso dar um salto quântico (expressão
que ele utilizava) na nossa universidade. No final de 1995 a actual
Reitora, então Vice-Reitora com o pelouro da investigação, a Prof.ª Helena
Nazaré, convidou-nos a participar num encontro do Fórum de Investigadores
Portugueses, uma organização criada e dinamizada pela Universidade de Aveiro e
que reuniu uma série de investigadores seniores portugueses espalhados pelo
mundo nas mais diversas áreas. Como nunca tínhamos tido qualquer contacto com
Aveiro, esta oportunidade foi determinante porque nos permitiu conhecer a
Universidade e conhecer o Departamento de Biologia, que era na altura dirigido
pela Prof.ª Maria Helena Moreira. Viemos para Aveiro, mas não
estaria a ser verdadeiro se não lhe dissesse que achei este departamento muito
antiquado. Se bem que, desde 1996, altura em que entrei na UA e fui responsável
pela leccionação da disciplina de Fisiologia Animal, tenham sido feitos
enormes progressos no sentido de melhorar e actualizar o departamento, muito
permanece ainda por fazer. Eu próprio, durante o período em que
estive como Presidente do Conselho Directivo do departamento, procurei dinamizar
algumas mudanças e criar condições propícias a um desenvolvimento
equilibrado. Neste momento, creio que nós, a nível
nacional, podemos comparar-nos com outras universidades sem receio.
No entanto, já a nível internacional temos, como departamento, algum caminho a
percorrer para atingirmos níveis “normais” naquilo que é a Biologia
actual. Por exemplo, actualmente os docentes que constituem o Centro de Biologia
Celular já desenvolvem trabalho de grande qualidade, com algum reconhecimento
internacional, em áreas como a Genómica, a Proteómica, a Biologia Celular, as
Neurociências, etc., mas embora seja perfeitamente possível integrar este
‘know how’ na docência, a actual estrutura e organização dos nossos currículos
não permite que isso aconteça.
6 - Como se fazem os grandes avanços da ciência? Ou seja, até que ponto é que se podem controlar os avanços que se fazem na ciência? Será a forma como se trabalha, com muitas horas de dedicação, com intuição, por puro acaso?
É com tudo isso. Há grandes descobertas que são
feitas por acaso, mas é preciso ter perspicácia para destrinçar as observações
importantes daquelas que são triviais. É com grande
dedicação e muito trabalho, algo que falta muito em Portugal. Os grandes
laboratórios a nível internacional funcionam quase 24 horas por dia, havendo
pessoas que iniciam o trabalho às 8 ou 9 da manhã e só saiem do laboratório
às 8 ou 9 da noite e que trabalham aos fins de semana, um tipo de dedicação
muito difícil de encontrar no nosso país. Mesmo no meu laboratório,
onde já temos algumas pessoas com uma dedicação acima da média, ainda há
uma grande dificuldade em ficar um pouco mais tarde ou em trabalhar aos fins de
semana, o que é negativo porque a planificação da investigação de ponta não
obedece à lógica das 9 às 5. Quer dizer, há experiências
que têm de ser executadas num determinado quadro temporal que não se compadece
com o facto de a pessoa ter que ir buscar o filho à escola às 5, só para dar
um exemplo. Isto torna a investigação de ponta muito complicada para as
mulheres, e para as famílias. Posso dizer que, no meu caso pessoal,
na altura em que estávamos na Universidade Rockefeller, a minha mulher
trabalhou durante algum tempo, em regime de part-time (!), das 5 da manhã até
ao meio-dia, enquanto eu ficava em casa com os meus filhos. Depois eu ia
trabalhar do meio-dia à meia-noite. Este horário durou anos, com tudo o que
isso acarreta de negativo e de positivo. Por vezes é muito complicado,
principalmente para as mulheres, terem tempo suficiente para fazer investigação
de ponta. De qualquer modo, é comum em Portugal os estudantes de doutoramento
pensarem que se pode fazer Doutoramentos das 9 às 5, de segunda a sexta-feira.
E talvez consigam, mas só muito dificilmente irão produzir trabalho com
impacto fora do país. Não é por acaso que a maior parte dos grandes laboratórios
nos EUA estão povoados por asiáticos (chineses, coreanos, japoneses, etc), que
têm uma ética de trabalho muito desenvolvida e completamente diferente da
nossa. Cada vez mais, nas sociedades ocidentais, os jovens escolhem cursos que,
de algum modo, eles identificam com profissões de prestígio e muito bem
remuneradas. Daí as opções pelas medicinas, engenharias, etc., muitas vezes não
por vocação, mas para garantir um futuro financeiro razoável. Por esta razão,
há cada vez menos jovens, principalmente os americanos
e britânicos, a escolherem a investigação científica como profissão. Esta
conjuntura é boa para Portugal e é boa para vocês porque isto significa que
vai ser fácil irem fazer doutoramentos no estrangeiro (nomeadamente nos EUA e
na Inglaterra), porque eles têm falta mão-de-obra e vocês, nesta fase, são mão-de-obra.
Longe de ser negativo, isto vai criar condições para que os melhores recebam
formação de altíssima qualidade em alguns dos melhores laboratórios do
mundo, levando, a prazo, à transferência desse ‘know how’ para Portugal.
De certo modo, isto já está a acontecer um pouco hoje. A maior dificuldade é
integrar adequadamente esses jovens quando regressam a Portugal. Infelizmente as
nossas universidades não têm a flexibilidade para integrar nem os mecanismos
para competir pelos melhores.
7 - Até que ponto é que pode ir o papel do cinema, da literatura, do teatro, da música na abertura das pessoas para a ciência?
Não
sei se vou responder directamente à sua pergunta. Penso que todas essas
actividades são fundamentais para a imagem que a ciência e os investigadores têm
junto do grande público. Por vezes são positivas, mas muitas vezes também
negativas. Todos nós, investigadores, deveríamos fazer um esforço muito maior
para divulgar a importância do que fazemos. Além da imagem negativa que
projecta, também não é saudável alguns
investigadores tornarem-se autênticos “ratos de laboratório”, nem para a
pessoa, nem para a investigação que faz, nem para o resto da sociedade.
8 - De que forma é que essas actividades não científicas conseguem colaborar para que a cultura científica na sociedade cresça?
É
fundamental tentar desenvolver a cultura científica, nomeadamente em Portugal,
onde o seu nível é muito baixo. Principalmente naquelas áreas que têm
sofrido um grande desenvolvimento nas últimas décadas, como é o caso da
Biologia Molecular e Celular onde há toda uma linguagem quase hermética,
totalmente anglo-saxónica, muitas vezes sem tradução ou cuja tradução não
faz sentido para Português. Penso que há aqui realmente um problema – existe
uma necessidade muito grande, neste momento, de acompanharmos o desenvolvimento
global que está a ocorrer e de desenvolvermos uma linguagem científica
portuguesa. Acho que não se deviam adoptar anglicismos
directamente para a nossa linguagem científica. Faz falta um grupo de pessoas
que se debruce sobre este problema e que venha regular e normalizar algumas
destas terminologias científicas. Ao nível da formação básica
(Licenciatura) sou defensor acérrimo do uso exclusivo do Português, para que
possamos desenvolver simultaneamente a nossa própria linguagem e cultura científica.
Já ao nível da formação pós-graduada penso que é mais importante as
pessoas aprenderem a comunicar em Inglês, porque é essa a linguagem científica
internacional. Aí já não me repugna que possam surgir em Portugal
cursos de pós-graduação leccionados em Inglês.
Neste
momento todo o nosso sistema educativo está a precisar
de uma reforma profunda. Infelizmente não me parece que se esteja a
dar a atenção necessária, e com a seriedade necessária, a este problema. Não
é por acaso que nós, em todos os estudos internacionais, estamos atrás de
todos os outros na Europa, ficando inclusive atrás de muitos do terceiro mundo.
Isto é preocupante porque, tirando uma ou outra excepção, uma escola ou outra
mais privilegiada, a massa dos nossos jovens está a ter uma educação
deficiente em matemáticas, ciências e português, naquilo que são as bases
que podem servir para o futuro. Eu não sei qual é a solução, mas não tenho
dúvida que não estamos a fazer nem o suficiente nem o necessário para
resolver este problema.
9 - Que tipo de livros ou filmes o marcou durante a sua vida?
Em
termos de livros o que lhe posso dizer é que, quando eu era adolescente, os
livros que me atraíam e que de algum modo influenciaram a minha escolha pela ciência
eram os livros de ficção científica. Li muitos livros de autores como Asimov
(a sua Trilogia é brilhante) e J. G Ballard (por exemplo, Vermillion Sands é
um livro excepcional). Eu gostava de ler estes autores porque conjugavam visões
futuristas com uma imaginação fantástica e, de algum modo, estavam a fazer
previsões sobre o futuro baseadas em desenvolvimentos tecnico-científicos que
eles conseguiam levar-nos a acreditar como lógicos e plausíveis. É curioso
que algumas dessas visões futuristas são hoje realidade. Li também muitos
livros da chamada literatura fantástica incluindo a trilogia do Senhor dos Anéis
no original (em Inglês) e as Crónicas dos Dragões de Penn, para citar dois
exemplos. Em termos de cinema, ainda me lembro vivamente do dia em que fui ver o
2001, Odisseia no Espaço, no antigo Cinema Império em Lisboa. Mas para mim o
cinema foi sempre mais uma questão de divertimento, de entretenimento do que
outra coisa. Obviamente hoje em dia as grandes produções de Hollywood passaram
a ter um impacto que não tinham há algumas décadas atrás.
Gostava
de acabar esta entrevista com algumas recomendações aos nossos alunos:
-
Vivam
intensamente estes anos que passam na UA.
-
Apaixonem-se pela Biologia! Ela é
certamente a ciência do século XXI.