Biologia em Acção: neste número conheça o interessante trabalho da nossa colega Ana Salgueiro com os cães das montarias

"Avaliação dos impactos dos cães das montarias sobre a fauna selvagem no Parque Natural Serra S.Mamede"

São Mamede

A bióloga Ana Salgueiro, recém licenciada pela Universidade de Aveiro, está a realizar um curioso estágio no Parque Natural Serra S. Mamede, sob orientação do Dr. Carlos Fonseca (Departamento de Biologia, da Universidade de Aveiro) e Dr.º Rui Correia (do Parque de S. Mamede) e Dr. António Mira (da Universidade de Évora).

O estágio insere-se no estudo sobre o impacto dos cães das montarias ao javali (Sus scrofa) sobre a fauna selvagem da região do Parque de S. Mamede (Portalegre). A realização deste trabalho é importante dada a elevada pressão cinegética na área de influência do Parque e sítio de Rede Natura 2000 (S. Mamede), onde a grande densidade de javalis (Sus scrofa) leva a que haja muitos pedidos para a realização de montarias, nos quais participam centenas de cães que poderão ter um impacto considerável nas populações selvagens aí existentes. O Parque tem de emitir pareceres sobre esses pedidos, havendo até ao momento um conhecimento deficiente do número ideal de cães a utilizar nas montarias e do que sucede à fauna selvagem da zona caçada o que justifica a importância e oportunidade deste trabalho.


O impacto directo ou indirecto dos cães (competição, predação, entre outros) e da pressão humana decorrente do acto da montaria, sobre as populações da avifauna (águia-de-Bonelli (Hieraaetus fasciatus); gavião-da-Europa (Accipiter nisus); águia-cobreira (Circaetus gallicus); peneireiro-cinzento (Elanus caeruleus); milhafre (Milvus migrans); tartaranhão (Fringilla spp.); bufo-real (Bubo bubo), perdiz-comum (Alectoris rufa), melro-preto (Turdus merula), chapim-preto (Parus ater), chapim-real (Parus major), chapim-azul (Parus caeruleus), chapim-rabilongo (Aegithalos caudatus), gaio-comum (Garrulus glandarius), cartacho-comum (Saxicola torquata) e pisco-de.peito-ruívo (Erithacus rubecula)), de carnívoros (texugo (Meles meles), raposa (Vulpes vulpes), gato-bravo (Felis silvestris), sacarrabos (Herpestes ichneumon), geneta (Genetta genetta), fuínha (Martes foina)) e lagomorfos ((coelho-bravo (Oryctolagus cuniculus) e lebre (Lepus capensis)) presentes no PNSSM, está a ser avaliado através da realização de censos a estas espécies, no período que antecede e procede as montarias. Estes censos são baseados em metodologias simples, apropriadas a cada espécie, e que permitem aceder eficazmente a estimativas populacionais da diversificada fauna da Serra de S. Mamede.

Na época venatória de 2001/2002 foram acompanhadas algumas montarias realizadas na área de estudo supracitada, onde se recolheram dados tais como a localização da mancha caçada, área da mancha caçada, caracterização da fauna e da flora da mancha caçada, "mapa" da montaria, número de caçadores, número de matilheiros, número de matilhas, número de cães por matilha, raça dos cães utilizados, espécies animais avistadas, número de animais abatidos e número de cães por matilha no final da montaria.

 

As montarias ao javali (Sus scrofa) e ao veado (Cervus elaphus) realizam-se nesta região entre Novembro e finais de Fevereiro de cada época venatória. No entanto, os censos às comunidades animais não só se realizam antes e depois do acto venatório, como também serão realizados ao longo de todo o ano, com intervalos regulares de cerca de dois meses para cada mancha.

 

A quantificação das populações de aves está a ser efectuada segundo o método linear de Telleria (1977). Este método consiste em percorrer um trajecto linear de comprimento conhecido e a uma velocidade constante, onde o observador anota todos os contactos auditivos e visuais das espécies em estudo.

 

Para a detecção de mamíferos têm vindo a ser utilizados dois tipos de metodologias. Assim, são realizados percursos, com cerca de um quilómetro, nas áreas em estudo, onde se registam todos os contactos directos ocorridos bem como se identificam, sempre que possível, e contabilizam os indícios de presença (pegadas, fossadas, dejectos, latrinas, trilhos, tocas, pêlos, entre outros) encontrados nesse trajecto. A utilização de estações de cheiro é outro dos métodos usados. A estação de cheiro consiste num círculo com cerca de um metro de diâmetro e alguns milímetros de espessura de pó de pedra com um isco no centro, que neste trabalho foi sardinha em lata em óleo vegetal. O cheiro das sardinhas propaga-se e atrai animais, que ao visitarem estas estações deixam impressas no pó de pedra pegadas e, por vezes, marcam o terreno com dejectos, sendo assim possível a sua posterior identificação. São também registadas todas as observações ocasionais de mamíferos ocorridas na área em estudo.

Estações de cheiro para identificação de carnívoros

Os dados obtidos até ao momento estão a ser processados em computador para futuro tratamento estatístico. O estudo destes dados possibilitará a obtenção de resultados que darão indicações sobre as normas a ter em conta na organização e realização de futuras montarias a espécies de caça maior no Parque Natural da Serra de S. Mamede e arredores, nomeadamente no que diz respeito ao número de cães a utilizar em cada montaria, por forma a implementar um programa de gestão cinegética mais eficiente, sustentada e em equilíbrio com as restantes espécies animais existentes na Serra de S. Mamede.