A Professor Helena Moreira aposentou-se. Ainda a tempo, a nossa equipa recolheu o importante testemunho de um dos mais antigos docentes da UA.

Como e quando se começou a interessar pela Biologia?
Comecei a interessar-me pela Biologia quando era aluna do liceu, principalmente por causa de actividades como fazer um herbário – não sei bem em que ano, mas seria talvez no quarto ano do liceu que nós fazíamos isso. Recordo muito bem que ia ver árvores exóticas para o Palácio de Cristal e colher material. Foi pela botânica que me apaixonei em primeiro lugar... e mantive essa paixão durante toda a minha formação universitária. Depois o emprego que arranjei no ensino universitário foi na área da zoologia! Apaixonei-me então pela zoologia!

- A professora fez parte do seu percurso académico em Moçambique. Fale-nos desse percurso. 

Tinha sido professora do ensino secundário em vários liceus. Tive o meu primeiro emprego no Liceu Nacional da Covilhã. No ano seguinte, fui para Lisboa onde estive dois anos no Liceu Rainha D. Amélia. Vim depois para Aveiro, onde estive um pouco mais de um ano. Casei e fui para Moçambique, para acompanhar o meu marido. Na altura, os licenciados que faziam a tropa sem irem para a guerra podiam ser chamados para o curso de capitães - foi o caso do meu marido! Uma das maneiras de evitar ser incorporado no curso de capitães  consistia em ir trabalhar para o Ultramar. Casámos e fomos logo de seguida. Ele foi trabalhar como geólogo de campo. Estivemos lá quatro anos. Fomos para África, recém-casados e sem conhecer lá ninguém! Levávamos, no entanto, a indicação de um nome , o de um geólogo que tinha sido colega de um nosso familiar: Renato Araújo!

Em conversa com o meu marido, o Professor Renato soube que eu estava desempregada  - cheguei a África numa altura em que as aulas já tinham começado, no dia 29 de Dezembro. Quando descobriu que a minha classificação final de curso era 16, disse, ainda sem me conhecer, que com essa nota eu  iria trabalhar para a Universidade ou para o Instituto de Investigação. Nessa altura,  o Doutor Renato trabalhava nos Serviços Geológicos de Moçambique, mas também  colaborava com a Universidade. Foi logo falar com o professor Xavier da Cunha, Professor Catedrático do Departamento de Zoologia e também Director do Instituto de Investigação de Moçambique... rapidamente encontraram um lugar para mim no Departamento de Zoologia. Daí, então, eu ter deixado a minha paixão pela botânica, porque o primeiro lugar disponível que encontrei  foi na zoologia. Entrei na zoologia e encaminhei-me por essa área. Tem graça que o primeiro emprego na Universidade consegui-o através do Doutor Renato Araújo, tal como também veio a acontecer, mais tarde,  com a minha vinda para Aveiro

- Era uma das perguntas que tínhamos para lhe fazer. O que é que a fez voltar...
– Levei uma vida um bocadinho difícil em Lourenço Marques porque o meu marido fazia longas campanhas no mato. Na fase inicial trabalhava seis meses no mato e  seis meses  em Lourenço Marques. Inclusivamente, só pode interromper essas estadias no mato, no norte de Moçambique, quando nasceram os meus filhos. Só conheceu o Pedro quando o miúdo tinha oito dias! Quando foi da Sofia, veio a casa uns dias antes de ela nascer e foi-se embora quando ela tinha dois dias. Portanto, a minha vida não foi assim muito fácil do ponto de vista familiar... ter filhos, com o marido metade do ano fora... Eu tinha muita vontade de regressar! Conheci muito pouco de Moçambique! Nessa fase tive que leccionar muitas disciplinas! Recordo-me, por exemplo, que um mês depois de nascer a minha filha tinha duas disciplinas teóricas para  leccionar pela primeira vez (nessa altura, tínhamos só um mês de licença de parto). A minha actividade docente era pesada, mas basicamente tinha muitas saudades de tudo o que dizia respeito à minha vida anterior! O Porto, o bacalhau... Enfim...

- A professora é natural do Porto?
Eu sou do Porto, nasci no Porto (sou tripeira).

Recordo-me que na primeira vez que voltei, ao fim de três anos... E quando sobrevoei a cidade do Porto, chorei... chorei muito, de comoção, só de ver o Porto do ar. Tinha muitas saudades daquilo a que nós chamávamos a metrópole. No entanto,  gostei muito da cidade [Lourenço Marques]. Era muito linda, a maneira de viver era muito interessante, havia muita facilidade em criar amizades, havia aspectos sociais muito apelativos . Por outro lado, havia as ausências prolongadas do marido, o trabalho na Universidade era pesado – mas isso foi sempre para mim, tanto lá como  cá – havia dificuldades em criar a família, muitas doenças tropicais, eu tive algumas, os meus filhos tiveram muitas... e havia especialmente a saudade, a saudade da família, a saudade da terra onde tinha sido criada. E portanto, eu queria muito regressar. O que não acontecia com o meu marido, que levava em África uma vida mais de explorador.. Eu vivi muito circunscrita à cidade. E entre cidades, de facto, a cidade primeira para mim é o Porto. E agora Aveiro, onde me habituei a viver.  Agora já não trocava a vida em Aveiro pela vida no Porto. Já considero o Porto e Lisboa cidades em que é muito difícil viver.

- Para além da sua actividade pedagógica na Universidade, a professora também deve ter feito investigação em Moçambique...
Fiz! Trabalhava em hidróides. O Professor Xavier da Cunha tinha-se interessado em tempos pelos hidróides ao nível da taxonomia. O que eu andava a fazer  lá era uma tentativa de classificação dos hidróides de Moçambique. Essa colecção acabou por ficar lá, não me foi autorizado trazê-la e, portanto, esse trabalho não chegou a ser publicado. Cheguei a fazer desenhos, identificar algumas coisas, mas o tempo que dedicávamos à investigação era relativamente pouco, tínhamos muitas aulas, muitas turmas. Leccionei muitas disciplinas. O meu prato forte nos primeiros anos foi a biologia médica, as práticas. Ao fim de dois anos começaram as teóricas. Recordo-me que leccionei hidrobiologia, ecologia e biogeografia, tive vários seminários, estágios de final de licenciatura. Por exemplo, fui professora da Profª. Cândida Gil [antiga professora do Departamento de Biologia da UA, também já reformada] nessas cadeiras finais de licenciatura. Ela licenciou-se lá. E havia uma outra colega dela, a Vanda... Praticamente dei os seminários para essas duas alunas finalistas, na área da biologia marinha. Foi em Moçambique que comecei a interessar-me pela biologia aquática. Ainda não definitivamente a biologia marinha, mas abarcava, enfim, as duas áreas. Ensinei hidrobiologia e fazia investigação em hidróides... aí comecei a fazer um bocadinho  de biologia marinha. E depois orientei os seminários da Vanda e da Cândida Gil, que eram na área da biologia marinha.

- Como é que era fazer investigação em Moçambique? Notou uma grande diferença quando veio para Portugal?
Os Departamentos em Moçambique estavam muito bem equipados. Quando viemos para aqui não havia nada. Parti de uma situação de Departamentos bem equipados e vim para uma situação de nada, de carência total. Quando vim para aqui,  estávamos no edifício dos correios! Havia alguma facilidade em fazer investigação em Moçambique, a nível de equipamentos. Não havia era a nível de orientação... As pessoas em Moçambique, que queriam fazer o doutoramento, vinham fazê-lo para a Europa, para Inglaterra e outros países. E depois regressavam a Moçambique... Eu não cheguei a essa fase. Se tivesse lá ficado é que se iria colocar a necessidade de fazer o doutoramento, mas seria mais tarde, porque só lá estive quatro anos. A investigação que eu lá fazia era em simultâneo com a actividade docente. Aproveitava todo o tempo disponível para trabalhar nos hidróides - mas ainda não com o objectivo de fazer o doutoramento. ..

- A professora quando voltou para Portugal veio para Aveiro?
Soube da criação da Universidade de Aveiro pelo Professor Renato Araújo, que me aconselhou a falar com o Professor Mesquita Rodrigues (membro da comissão instaladora da UA), que me  aconselhou a candidatar-me. E eu assim fiz.

- Mas quando saiu de Moçambique, já sabia da sua colocação?

Quando saí de Moçambique já tinha sido aceite na Universidade de Aveiro. Ainda não estava, no entanto, contratada. O contrato aconteceu antes de terminar a minha licença graciosa. Não cheguei a regressar.

Vim de férias, de graciosa, já com a promessa de ficar na Universidade de Aveiro. Penso que me candidatei à Universidade de Aveiro em Janeiro de 74. Entretanto tinha-se dado o 25 de Abril, tinham-se dado aqueles acontecimentos em Setembro, em Lourenço Marques... houve alguma ansiedade em saber se o contrato seria feito a tempo e horas ou se teria, ainda, de regressar.

- Agora sabemos que o seu percurso inicial não teve a haver com a Ecologia, mas quando veio para Aveiro, começou com Ecologia Marinha, a fazer doutoramento...?

A nível universitário, estive sempre ligada  à ecologia a partir pelo menos do terceiro ano na Universidade. Depois dos  dois primeiros anos entregaram-me teóricas para leccionar. E aí então é que foram as teóricas de ecologia, hidrobiologia... A partir daí, surgiu a necessidade de aprender para ensinar - os nossos conhecimentos na altura em Ecologia, tanto animal como vegetal, eram muito rudimentares... não havia nenhuma abordagem quantitativa, por exemplo. Era muito descritiva. Comecei a aperceber-me da necessidade de utilizar uma abordagem mais quantitativa. Quando vim para Aveiro apercebi-me da importância desta laguna, aqui ao pé da Universidade, e como já tinha alguma vocação, ou digamos, alguma experiência na área da hidrobiologia... Seria então importante fazer um doutoramento nesta área. Fui primeiro fazer um mestrado em Recursos Naturais. Foi talvez a melhor experiência de aprendizagem de toda a  minha vida! Fiz o mestrado na Universidade de Salford, em Inglaterra – a dissertação já a fiz em lodos. Desenvolvi a minha tese sobre o tema dos estuários. Para o doutoramento, trabalhei sobre Macoma balthica, que é uma espécie de bivalve nórdica, dos lodos, não a temos por aqui. Entrei na fauna bentónica estuarina durante o mestrado e, depois, prossegui com esse tema no doutoramento.

- Então o trabalho de campo não foi feito aqui?

Não, foi tudo feito lá. Para o mestrado foi feito no estuário do Mersey e para o doutoramento no estuário do Dee.

- Como foi para si singrar como investigadora numa sociedade que pensamos ser na sua altura, ainda bastante discriminadora quanto aos papéis possíveis de ser desempenhados profissionalmente por uma mulher?

Eu não senti qualquer dificuldade desse tipo. Nenhuma. Nem a nível de colegas, nem a nível familiar. Talvez tenha sabido educar o meu marido, porque de facto tive um apoio enorme  dele nessa fase... porque fui para Inglaterra sozinha e o meu marido ficou com os meus filhos.

- Nesse contexto, considerava-se como uma excepção à regra?

Havia discriminação, até na lei, mas não a nível de investigação. Por exemplo, na minha primeira colocação no liceu, os homens tinham preferência em relação às mulheres. Recordo-me muito bem, creio que foi logo na primeira viagem, quando fui colocada na Covilhã, ia no comboio um colega meu que foi colocado em Lisboa. Apesar de uma diferença abismal nas nossas notas! As mulheres eram colocadas depois de todos os homens terem sido colocados. Portanto, uma mulher com 16, que era o meu caso, , só era colocada depois de todos os homens, mesmo que tivessem 10... Portanto, aí, de facto, havia uma discriminação muito grande. A nível da Universidade, eu comecei a minha carreira em África... não tive hipóteses de uma carreira na metrópole, utilizando a linguagem que se utilizava na altura... de fazer uma carreira de investigação, não tive hipóteses nenhumas, apesar da minha classificação.

Quando fui para Moçambique, pensava que ia continuar a ser professora do liceu. Aí, havia mais hipóteses. O facto de eu ter boa nota garantiu-me a possibilidade de trabalhar em investigação. E foi muito fácil. Não tive dificuldade nenhuma por ser mulher. Talvez porque na altura a Biologia era dominada por mulheres... O Professor Catedrático era homem, o Professor Xavier da Cunha. Mas, na altura em que entrei, éramos três assistentes, só mulheres. Mais tarde chegou um colega, que é hoje professor na Universidade de Lisboa e, a seguir, mais duas mulheres. Na Botânica tínhamos o Prof. José Ernesto, o Professor Rino (na altura também ainda assistente) [outro antigo Professor deste nosso Departamento, também hoje já reformado],  e o saudoso Dr.º Ângelo Correia, como investigador Mas também havia várias mulheres, a Profª. Fernanda Alcântara [mais outra antiga docente deste Departamento, também já reformada], por exemplo. Depois aqui em Aveiro... absolutamente nada, nenhuma dificuldade por ser mulher.  As maiores dificuldades que se colocavam na altura eram familiares. Penso que muitas mulheres não fizeram mais por limitações dessa natureza. Colegas minhas que podiam perfeitamente ter-se doutorado não o fizeram porque consideravam que o seu dever principal era o de mãe. Eu tive que encontrar um equilíbrio entre os meus deveres. Sempre considerei que os meus deveres profissionais e os meus deveres familiares tinham que ser conciliados. Felizmente o meu marido também entendeu isto e, portanto, nós, a nível familiar, conseguíamos resolver estes dilemas. É de facto um dilema difícil e que faz com que muitas mulheres cedam a uma das vertentes. Eu penso que soube e fui capaz de as conciliar.

- Não gostou de viver em África?

Não é não gostar... É interessante agora ver os slides que o meu marido fazia na altura. Para ele era uma vida apaixonante. Mas nós, as “esposas”, ficávamos muito tempo sozinhas. Eu suponho que, se tivesse vivido muitos anos em África,  teria ultrapassado essas dificuldades. Mas uma pessoa chega,  começa uma nova profissão,  tem filhos. Vai para estar com  o marido e depois  passa meio ano sem o ver... e sozinha...

- Bem, falando agora mais do seu percurso actual, sabemos que a professora esteve/está ligada à Ordem dos Biólogos. Foi a primeira Presidente da Mesa da Assembleia Geral, não é verdade?

Estou ainda ligada à Ordem dos Biólogos, como Presidente da Mesa da Assembleia Geral. Tinha estado muitos anos ligada à Associação Portuguesa  de Biólogos. Estive dois mandatos na Direcção e, depois, com a necessidade de ir todos os meses a Lisboa, às vezes mais do que uma vez por mês, ao fim de dois mandatos deixei a Direcção e passei para Presidente da Mesa da Assembleia. Após a criação da Ordem, tenho mantido o mesmo cargo.

- Como é que vê essa experiência na Ordem dos Biólogos. Em que é que acha que poderá ter contribuído para a evolução do Biólogo?

Eu empenhei-me muito em colaborar na criação da Associação Portuguesa de Biólogos, em trabalhar com a associação, porque era de facto essencial que os biólogos adquirissem uma identidade profissional que não tinham. As pessoas tinham uma licenciatura na área da Biologia. No princípio eram as Ciências Biológicas, depois passou-se a adoptar a designação de licenciatura em Biologia, mas não existia a profissão de Biólogo. Portanto, era extremamente importante que surgisse essa profissão. Esses primeiros passos da Associação Portuguesa de Biólogos foram cruciais porque hoje uma pessoa que trabalhe na área da Biologia apresenta-se como Biólogo, coisa que não acontecia nessa altura. Ser Biólogo parece que nos dá algum orgulho. O trabalho de podermos reconhecer com orgulho a nossa profissão foi desencadeado pela Associação Portuguesa de Biólogos. Trabalho que foi primeiro ao nível do  nosso próprio reconhecimento, como profissionais, e agora a nível legislativo. A profissão de Biólogo é hoje uma profissão reconhecida legalmente.

- Foi a principal batalha na génese tanto da Associação como da Ordem?

A batalha foi a de fazer reconhecer esta profissão em termos legais e também em termos de reconhecimento  público e institucional. E dos próprios biólogos se reconhecerem a si mesmos como profissionais de uma área que se auto-regula hoje  através de um Código Deontológico.

- Considera que a Biologia Aveirense já alcançou o seu lugar ao Sol no panorama nacional e internacional ou que o caminho começado há alguns anos ainda está longe da meta?

Eu, em tudo na minha vida, nunca acho que se tenha alcançado o lugar ao Sol, e portanto eu nunca alcancei  esse lugar. Eu própria já pedi a aposentação e continuo a trabalhar aqui, a tentar fazer alguma coisa mais, alguma coisa melhor. Eu não acho que se chegue alguma vez a uma posição ao Sol. Acho é que a Biologia em Aveiro progrediu muito na quantidade e qualidade dos seus professores, dos seus investigadores. Hoje o que nós fazemos aqui, em termos de ensino e de investigação é comparável ao que se faz nas melhores universidades portuguesas. Eu penso que o nosso ensino da Biologia é bastante bom, melhor do que noutros locais. A investigação que fazemos também tem vindo a ser reconhecida como estando entre as muito boas no País. Há já reconhecimento institucional do que nós fazemos, quer a nível do ensino, quer a nível da investigação. Um lugar ao Sol, eu não aceito...é uma metáfora. Eu não tenho essa visão das coisas. Se fizermos bem não nos devemos sentar ao Sol.

- Com “o lugar ao Sol” queríamos também saber qual é a opinião da professora em termos de evolução do Departamento... A professora foi testemunha privilegiada do nascimento deste Departamento, esteve no núcleo de professores que o fundou.

Sim, eu sou a mais antiga no Departamento, sou mesmo das professoras mais antigas da Universidade. Fui a primeira pessoa que veio para a Biologia. Vim em 1974, fiquei cá um ano e depois fui quatro anos para Inglaterra. Quando voltei já havia outros colegas. Estava cá o Professor Caldeira, o Professor Rino, alguns assistentes. E claro,  o saudoso Prof. José Ernesto que era o Reitor nessa altura.

- Para além de ter sido testemunha privilegiada do seu desenvolvimento, desempenhou também cargos directivos no Departamento.

Exacto, tenho desempenhado tudo quanto é cargo! Parece que já passei por todos, sendo o último o de Directora de Curso. Pensava que já não ia passar por mais nenhum e ainda há dois anos fui Directora do Curso de Ensino da Biologia e Geologia. Estive na Comissão Pedagógica, Comissão Científica, Conselho Directivo, estive em todas! Só este ano e no anterior é que não tenho cargos, mas tenho ainda com algumas responsabilidades  na nossa unidade de investigação, o CESAM. Desempenhei sempre muitos cargos. Por exemplo, numa fase inicial, no Conselho Pedagógico, eu estava a representar a Biologia e a Biologia e Geologia. A grande discussão era se eu poderia votar duas vezes ou só uma vez, porque  se trata de um órgão paritário e eu ocupava dois lugares! Chegou a haver de facto esse tipo de discussão!

O Departamento de Biologia cresceu, mas não cresceu sem convulsões...e também não sei se cresceu da melhor maneira. A verdade é que foi crescendo e hoje, de facto, eu penso que atingiu uma dimensão em que se pode considerar um Departamento com dimensões quase ideais. Não penso que num futuro próximo o Departamento de Biologia possa ou deva continuar a crescer de uma forma significativa.

- Temos agora o novo edifício, e este antigo irá passar a ser dedicado totalmente a investigação, não é?

Penso que sim. O novo edifício é principalmente vocacionado para aulas e a investigação vai-se concentrar neste edifício. Vai haver uma folga... enfim, as pessoas vão-se adaptar  a fazer investigação deste lado e dedicar-se à leccionação no outro edifício, que foi financiado pelo PRODEP e é portanto destinado principalmente ao ensino.

- Referiu há pouco a sua aposentação. A pergunta que lhe queremos colocar é: agora que se aproxima a aposentação, acha que faltou fazer alguma coisa na sua carreira como investigadora?

Faltou fazer a agregação. Eu não concluí a minha carreira académica e isso é uma coisa que me desgosta, porque ainda há um ano pensava concluí-la. Isto é, estava a tentar arranjar tempo para a concluir. A decisão da aposentação foi um pouco motivada por factores extrínsecos, mais do que intrínsecos. Não sei se vale a pena referir... mas posso dizer-vos! Foi a nova legislação sobre  a aposentação e mais algumas coisas. Umas das razões foi a tendinite, que me obriga a descansar o braço. Já tenho tendinite há dois anos, mas andava a adiar isso até fazer, pelo menos, 60 anos. A nova legislação sobre a aposentação obrigou-me a tomar uma decisão. Uma decisão que tem a ver com uma fase tão difícil da vida como é o envelhecimento, e de quando é que consideramos que estamos na altura de entrar nessa fase! Eu ainda não me achava nessa altura e continuava a adiar essa decisão, que teve que ser tomada sob pressão. De facto foi uma situação difícil, porque eu imaginava que iria tomar essa decisão motivada por factores intrínsecos e não por factores extrínsecos.

- Mas ainda há alguma coisa, não falando em termos de progressão na carreira académica, que pense fazer em termos de investigação?

A primeira coisa que quero fazer depois de me aposentar é tratar do braço, dar-lhe algum descanso, algum tempo. Felizmente o único problema de saúde que tenho é esta tendinite, que é uma doença profissional. Depois de me tratar, depende. Se o Departamento continuar a acolher-me aqui com gosto, eu tenciono continuar a vir até à Universidade, pelo menos escrever alguns artigos, basicamente escrever alguma coisa.

- Com base em trabalhos já feitos? Ou tem ainda, por exemplo, alguns alunos ainda sob a sua orientação?

Sim, com base em trabalhos já feitos. Não tenho agora alunos sob a minha orientação. Só tenho uma bolseira, a Ascensão Ravara, que está a organizar uma Colecção de Referência de Invertebrados Marinhos.  Mas a sua bolsa  vai terminar agora. Há algum tempo que me venho desligando desses compromissos. Procurei nos últimos anos não assumir compromissos de longo prazo. A ideia da aposentação já existia em mim e procurei, nos últimos anos, não assumir esses compromissos, para que quando tivesse que tomar esta decisão, não deixasse as pessoas “desgarradas”. Mas há coisas que se podem fazer e tudo depende do ambiente que for criado à minha volta. Se eu sentir que há um bom acolhimento no Departamento continuarei a vir cá. Tudo depende de como as coisas se vierem a desenrolar, e também da saúde, é claro!

- Nós agora queríamos falar um pouco da pessoa, e não da professora Helena Moreira...

Da Maria Helena...

- Quem é a cidadã, quem é a pessoa? A professora sai das aulas e gosta de fazer o quê? Se gosta de ler, música, cinema, se tem algum hobby em particular.

Vocês eventualmente já sabem que eu saio daqui todos os dias às seis, sete horas da noite. Portanto não esperam que eu a essa hora ainda tenha muitos hobbies. Quem me conhece há mais anos sabe que eu passei aqui a maior parte dos meus fins de semana a trabalhar. Por exemplo a senhora do bar vinha para o bar e via-me aqui sempre aos Sábados e Domingos. Mas já não faço isso desde que deixei o Conselho Directivo, há  uns cinco anos. Mas às vezes trabalho em casa nos fins de semana, quando preparo as aulas. Hobbies não tenho muitos, a não ser de facto ler, que é a minha paixão preferida!

- Algum autor ou livro preferido?

O que eu gosto de facto é de ler e gosto de ler coisas que me entretenham. Romances e também romances policiais. Sei lá, numa fase li todos os romances da Agatha Christie. Quando começou a sair a colecção li-os todos, tenho-os lá todos em casa. Se calhar vou começar a lê-los novamente depois de aposentada. A minha paixão pela leitura vem desde criança. Li as maiores obras quando tinha os meus treze, catorze anos! Li Tolstoi, Dostoievsky... É por fases! Nessa fase (dos treze, catorze anos) quem me marcou foram os escritores russos. Leão Tolstoi – “Guerra e Paz”, Dostoievsky...

- “A Mãe”?

Pois, “ A Mãe”...era esse que eu gostaria de frisar, de Maximo Gorky. Esses três autores marcaram-me nessa fase da minha adolescência. Claro que nessa altura também lia a Pearl Buck, por exemplo. Sei lá, agora não me lembro bem do que tratava a Pearl Buck, mas era aquela vida no oriente, não é? Era, era...O meu pai tinha muitos livros, era um autodidacta e havia uma biblioteca muito grande em casa. Eu ia tirando os livros da estante, os livros do meu pai, que felizmente na altura ainda era vivo. Digamos que nessa fase foi esse tipo de literatura. Depois, numa fase já mais adulta, eu acho que devo mencionar o Eça de Queirós e, a par, o Jorge Amado. O Jorge Amado foi quem mais me deliciou. Era aquela leitura que eu lia com maior prazer! Recentemente o Mia Couto, por exemplo. Ao contrário de quando eu era miúda e lia livros muito grandes, hoje em dia já não tenho tempo para ler livros muito grandes. Eu gosto de ler, começar e acabar, e o Mia Couto tem obras que se podem ler numa viagem de avião, de comboio. Eu agora procuro muito coisas que se possam ler numa viagem. O meu tempo é muito escasso para ler...  Sim, o Mia Couto é talvez um dos meus autores preferidos neste momento.

 - E também tem uma escrita, uma componente temática...

E depois é Biólogo...eu não sei o que é que me atrai no Mia Couto! Se é o lembrar da minha vida em África, que não foi longa mas...ou as expressões dele, a maneira como compõe a linguagem. Eu não sabia inicialmente que ele era Biólogo, só mais tarde é que vim a saber. A sua escrita tem qualquer coisa de Biologia também! Fascina-me o Mia Couto! Acho que li tudo dele. Sempre que vejo à venda uma nova obra dele, eu compro. No entanto, o que estou a ler agora é “O Homem Dividido” do José Saramago. Gosto de ler Saramago, de ter muitas páginas sem pontos finais...é exactamente aquilo que eu gosto. A princípio deve-me ter feito confusão, mas agora gosto muito daqueles apartes que vai construindo, construindo, construindo...aqueles pensamentos que vão sendo comunicados como apartes! Adaptei-me bem ao Saramago e estou a ler agora “O Homem Dividido”, às vezes até à meia-noite, antes de adormecer! Mas a minha vontade era de ter um fim de semana para o ler de uma ponta à outra! Porque eu tenho de facto o vício da leitura, mas é este vício de me entreter com uma história, e portanto não sou uma intelectual a ler, não! Eu leio pela história, a história começa e eu tenho que chegar ao fim para saber como é que ela acaba! Leio então muito sofregamente, pelo que andar a ler assim muito pausadamente não é muito o meu gosto. Mas, de vez em quando também o faço!

- Então cada policial é uma angústia até chegar ao fim?

Até chegar ao fim! Quando vou de férias para o Algarve levo uma resma de livros! E compro livros de boa literatura, mas também compro alguns livros policiais. Às vezes nem escolho bem os policiais, mas procuro uma boa colecção porque às vezes nem conheço os autores! Quero algumas histórias só para estar estendida...Para mim, ler é um sinónimo de estar absolutamente relaxada! É aquilo que faço com mais gosto!

- E em termos musicais...

Não, não sou muito apaixonada por música! Gosto de estar a ouvir, ouço, mas não é aquela paixão pela música! A paixão é mesmo ler! E, quando era nova, gostava muito de dançar!

- E cinema?

De cinema gosto! Gosto para me divertir. Não ando muito a par de cinema, porque eu não tenho tempo, mas quando há um bom filme gosto de o ver. Mas também não me importo de ver o “James Bond”. Aliás, eu já fui ver o novo filme do James Bond...

- E o Pierce Brosnan, deixa muito a desejar relativamente ao Sean Connery?

Eu acho que não! Mas este filme é demasiado estapafúrdio, demasiado artificial! No entanto tem lá uma cena muito engraçada com espadachins. Essa cena está muito bem conseguida! Lá o automóvel que fica invisível e o palácio no gelo, essas coisas, isso é muito artificial! Bem, mas o que quero dizer é que gosto de ver um bom filme, mas não tenho pejo nenhum  em  ir ver o James Bond! Divirto-me! Eu utilizo a leitura, o cinema, a música para descontrair e também como enriquecimento pessoal! Mas, a parte da descontracção, de estar umas horas sem pensar em nada, a não ser estar a divertir-me com uma boa história, é a maneira como encaro a leitura.

- É costume perguntarmos ao entrevistado se tem uma máxima de vida, e gostaríamos de saber se a professora tem uma máxima.

Não, não tenho! Tenho é uma máxima de conduta, que é o brio, o colocar brio em tudo o que faço! Esse brio procuro colocá-lo ao preparar as minhas aulas, ao escrever um artigo, ao cozinhar ao Domingo para a família ou para os amigos! Dantes fazia malhas para os meus filhos e depois tinha que pedir-lhes, não sei quantas vezes, que se virassem para a frente, para trás, de lado! Eu tinha produzido uma camisola, isso para mim era uma  satisfação enorme! Por exemplo, quando cozinho, eu chateio a família até me dizerem que o cozinhado está bom, porque eu ponho todo o meu brio naquilo. Não tenho uma máxima, mas a minha conduta é pôr brio em tudo o que faço! Isto às vezes é difícil de conseguir quando temos tantas solicitações como as que temos. Mas, é  talvez o que me caracteriza ... Penso que é um legado do meu pai!

- E agora, mesmo para acabar, há alguma mensagem que queira deixar aos alunos futuros Biólogos? Algum aviso, algum conselho...

Se calhar o conselho vinha nesta linha, ponham brio em tudo o que façam. Acho que vivi bem assim. Não quero deixar a mensagem de que as coisas estão más, que as coisas estão difíceis para os alunos, embora a situação me pareça  bem mais difícil agora do que aquela que eu defrontei! Quando eu me  formei não havia praticamente investigação no país! Eu era boa aluna, amava a Biologia, e não via saída nenhuma na área de investigação, mas havia um emprego! E hoje em dia não há, e eu receio que isso esteja a trazer problemas enormes às famílias! Eu vivo esse problema, tenho um filho que é biólogo! Isto está mau para os jovens, mas eu não queria deixar uma mensagem desse tipo. Queria deixar o conselho de que as pessoas trabalhem com brio, com qualidade! Mas temos que ser realistas, e há uma coisa que os biólogos têm que saber enfrentar: têm de ser capazes de criar o seu próprio emprego! Portanto, tem que haver também iniciativa pessoal, porque há que  gerar a necessidade do próprio emprego. Contudo, os biólogos, ou por falta de preparação, ou por maneira de ser, não têm muito essa iniciativa. Nós temos que ser capazes de lhes ensinar, de os preparar para isso! Eu penso que a Ordem tem essa  percepção e está a passá-la cá para fora, mas não é fácil porque aquela fase de: - Eu acabei o meu curso, inscrevo-me numa lista e tenho emprego. Isso acabou!